segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Leasing indexado ao Dólar: possibilidade e requisitos.

Segue abaixo o resultado de uma pesquisa para o módulo de contratos empresariais onde o objetivo principal era verificar a possibilidade de se utilizar de uma moeda estrangeira em operações nacionais uma vez que há expressa vedação em nossa legislação. Especificamente foi tratado do contrato de Leasing, inclusive abordando a sua descaracterização em massa ocorrida em 1999.
Este é mais um assunto "batido", mas como já comentei anteriormente estou, em um primeiro momento, publicando estudos já realizados em momentos passados. Logo, espero que, mesmo não sendo atual, possa contribuir de alguma forma.

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Para que as instituições financeiras posam atrelar os contratos de leasing à moeda estrangeira (dólar americano), será necessário observar alguns fatores e pré-requisitos, como veremos abaixo.

Primeiramente devemos atentar que o Artigo 38 da Resolução n°. 918 BACEN, traz a seguinte regra:

"As sociedades de arrendamento mercantil e as instituições financeiras autorizadas a realizar operações de arrendamento mercantil somente podem transferir às arrendatárias a responsabilidade pela paridade cambial, no caso de os bens arrendados serem adquiridos com recursos provenientes de empréstimos contraídos, direta ou indiretamente, no exterior." (grifo nosso)

            Logo, resta claro que a instituição financeira é obrigada a fazer prova que os recursos utilizados para o leasing em questão são provenientes de captação exclusivamente em moeda estrangeira, mesmo que através de Repasses do Banco Central.

            Além da comprovação da captação externa de recursos em moda estrangeira também é indispensável a comprovação contábil que aqueles recursos específicos está sendo utilizado para a indicada finalidade.

            Ou seja, não basta que a instituição financeira tenha uma linha de tomada de recursos externa para que possa operar leasings indistintamente, se faz necessário verificar se os recursos de cada operação estão ligados a uma determinada captação.

            Por fim, nossos tribunais ainda entendem que para a permanência da indexação à moeda estrangeira a instituição financeira tem o dever de comprovar que não houve quitação daquela linha específica de recursos utilizada para custear uma operação de leasing, conforme entendimento do STJ, abaixo:

"A correção cambial deve se estender até o efetivo desembolso do numerário, pelo banco nacional, para satisfazer a divida em dólares, perante o banco estrangeiro; a partir daí, a correção será pelos índices internos de atualização das dívidas. (RSTJ vol.:76/175, Ministro Ruy Rosado de Aguiar).


Nos leasings celebrados em 1999 foi considerado que ocorreu de fato uma onerosidade excessiva nos contratos, não somente pelo fato do valor das prestações terem majorado rapidamente, mas também pela descaracterização de arrendamento mercantil como natureza do contrato.

O simples fato do cambio flutuante ter oscilado de forma desfavorável ao consumidor não enseja uma revisão contratual, contudo, como eram e com ainda são praticados os contratos de leasing na verdade ocorre um financiamento atrelado ao leasing.

No que se refere a aplicabilidade da teoria da onerosidade excessiva atrelada ao CDC não se faz necessário que as partes possam prever ou que seja possível prever que poderá ocorrer fato futuro, tão somente é necessário que ocorra algo que venha a desequilibrar a relação excessivamente, independentemente de previsibilidade.

Conforme versa o eminente Luiz Antonio Rizzatto Nunes[1]:

“Não se trata da cláusula rebus sic stantibus, mas sim de revisão pura, decorrente de fatos posteriores ao pacto, independentemente de ter havido ou não previsão ou possibilidade de previsão dos acontecimentos.
Explique-se bem. A teoria da imprevisão prevista na regra do rebus sic stantibus tem como pressuposto o fato de que, na oportunidade da assinatura do contrato, as partes não tinham condições de prever aqueles acontecimentos, que acabaram surgindo.
Por isso se fala em imprevisão. A alteração do contrato em época futura tem como base certos fatos que no passado, quando do fechamento do negócio, as partes não tinham condições de prever.
Na sistemática do CDC não há necessidade desse exercício todo. Para que se faça a revisão do contrato, basta que após ter ele sido firmado surjam fatos que o tornem excessivamente oneroso. Não se pergunta, nem interessa saber, se, na data de seu fechamento, as partes podiam ou não prever os acontecimentos futuros. Basta ter havido alteração substancial capaz de tornar o contrato excessivo para o consumidor.”

À título de ilustração, e na esteira do magistério de Luiz Antonio Rizzato Nunes, a jurisprudência pátria tem adotado igual entendimento, ‘verbis’:

“REVISÃO DE CONTRATO. Arrendamento mercantil (leasing). Relação de consumo. Indexação em moeda estrangeira (dólar). Crise cambial de janeiro de 1999. Plano Real. Aplicabilidade do art. 6º, V, do CDC. Onerosidade excessiva caracterizada. Boa-fé objetiva do consumidor e direito de informação. Necessidade de prova da captação de recurso financeiro proveniente do exterior.
Ementa: O preceito insculpido no inc. V do art. 6º do CDC dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor... Resp 268.661-RJ-3ª T.-STJ-j.16.08.2001 - rela. Ministra Nancy Andrighi - DJU 24.09.2001.[2]

Dessa forma, podemos depreender que a tanto a doutrina quanto a jurisprudência tiveram um entendimento que a prática dos contratos de leasing celebrados em 1999, estavam eivados e onerosidade excessiva e portavam vícios formais.

Por estas motivos houve muitos julgados revendo cláusulas contratuais em favor dos consumidores deste tipo de contratação.

Tal posicionamento ocorreu não somente baseado nas teorias centrais do Código Civil vigente à época, mas também tendo como base o Código de Defesa do Consumidor, que ante a situação de câmbio flutuante praticada pelo Banco Central se viu em grande desfavor.

Atrelado a este cenário tínhamos o fato que aos consumidores não foi observado o dever de informação que em sua grande maioria sequer tinham conhecimento de forma de reajuste de seus contratos.

Por fim, esta foi uma matéria de grande discussão em nosso tribunais e cadeiras acadêmicas, onde restou vitorioso o consumidor que em quase que sua totalidade conseguiu uma revisão das cláusulas sendo minorada a pressão financeira e o impacto recebido em razão da grande oscilação da moda nacional em 1999.


[1] NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 118.
[2] Acórdãos. In: Revista do Direito do Consumidor. São Paulo: RT, janeiro-março, 2002, v. 41, p. 296-297.

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