terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Incidência do ICMS na Potência Efetivamente Consumida nos Contratos de Fornecimento de Energia Elétrica

Um bom dia nesta manhã ensolarada,

Segue mais um post para o Blog Direito Corporativo, este é um trabalho feito em conjunto com os colegas Dr. Márcio Caldas e Dr. João Ricardo, para a matéria de Tributação 2 do curso de LL.M.

O objeto de estudo é muito relevante ao Direito Corporativo, principalmente para a indústria, que é, normalmente, um grande consumidor de energia elétrica. Apesar da matéria estar pacificada, inclusive com a edição de Súmula pelo nosso Superior Tribunal de Justiça, entendemos que o tema merece nossa atenção por permear conceitos básicos como fato gerador e a teoria geral de contratos.

Sempre com o objetivo de reunir trabalhos e estudos dentro da temática do Direito Corporativo espero que mais este estudo possa robustecer este blog.

Sds,
Vinicius Moraes

OBS: não sei o motivo de alguns parágrafos não "aceitarem" a formatação "justificado", de qualquer modo isso não prejudica o conteúdo. 
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Introdução

        Ao longo da última década não nos falta jurisprudência, nem tão pouco doutrina que defenda, e também que ataque, a incidência do ICMS apenas na tarifa correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada.
        Tal matéria já foi objeto de debate nos tribunais estaduais e no nosso Superior Tribunal de Justiça – STJ por inúmeras oportunidades.
        Recentemente a Primeira Seção do STJ editou a Súmula nº. 391 em 23/09/2009, que veio para pacificar as divergências quanto à incidência deste imposto nas relações de fornecimento de energia.
        Entretanto, tão fervorosa altercação merece um estudo mais aprofundado tanto juridicamente quanto tecnicamente. Sendo parte deste debate abordado no presente trabalho.
        Iniciando com a relevância do debate a leitura demonstrará a importância do tema, já que se trata não só de uma matéria instigante a ser discutida, bem como um interesse do ponto de vista financeiro, posto que os grandes consumidores de energia são diretamente interessados nesta questão.
        Para elucidar parte do caráter técnico da questão a seqüência traz os diferentes tipos de contratos de fornecimento de energia elétrica, onde são observadas as divisões de clientes em grupos (de acordo com o tipo de pessoa, necessidades, finalidades e consumo). Sendo este o primeiro passo para entender as posteriores diferenças na cobrança. Isto será demonstrado sempre observando as normas técnicas de regulamentação pertinente ao setor (ANEEL).
        Observando adiante a classificação do fornecimento de energia elétrica como mercadoria (e não como serviço) chegando enfim ao cerne da questão: o fator gerador do ICMS. Serão apresentadas as duas correntes que divergem sobre o momento da incidência do imposto: a disponibilidade da energia ou o seu consumo efetivo.
        Finalizando com a pacificação do entendimento – apresentando entendimentos de nosso STJ e de Tribunais Estaduais – e a conclusão, a leitura do texto leva a compreensão, por meio de comprovação com jurisprudência e doutrina, da questão a respeito da forma de incidência do ICMS na energia elétrica em razão de sua especificidade.
Relevância do Debate
        A motivação de tão grande contenda está no fato do ICMS ser um imposto que movimenta um volume financeiro muito expressivo tanto para o contribuinte quando para os cofres dos Estados arrecadadores Sendo que sua alíquota – apesar de variável conforme cada Estado e ainda de acordo com o consumo – está em torno de 25%, como podemos verificar abaixo:
        No Estado do Rio de Janeiro a Lei nº. 2.657[1] de 26 de dezembro de 1996, com suas alterações, prevê:
“Art. 14 - A alíquota do imposto é:
(...)
VI – em operação com energia elétrica:
(...)
a)            18% (dezoito por cento) até o consumo de 300quilowatts/hora mensais;
b)            25% (vinte e cinco por cento) quando acima do consumo estabelecido na alínea “a”;
c)             6% (seis por cento) quando utilizada no transporte público eletrificado de passageiros.”1
        Já o Estado de São Paulo o Decreto nº. 45.490/00[2], com última alteração pelo Decreto nº. 55.379, de 29 de janeiro de 2010, prevê:
“Artigo 52 - As alíquotas do imposto, salvo exceções previstas nos artigos 53, 54, 55 e 56-B, são:
(...)
V - Nas operações com energia elétrica, no que respeita aos fornecimentos adiante indicados:
a) 12% (doze por cento), em relação à conta residencial que apresentar consumo mensal de até 200 (duzentos) kWh;
b) 25% (vinte e cinco por cento), em relação à conta residencial que apresentar consumo mensal acima de 200 (duzentos) kWh;
c) 12% (doze por cento), quando utilizada no transporte público eletrificado de passageiros;
d) 12% (doze por cento), nas operações com energia elétrica utilizada em propriedade rural, assim considerada a que efetivamente mantiver exploração agrícola ou pastoril e estiver inscrita no Cadastro de Contribuintes do ICMS. “2
        Para o Estado Paraná a Lei nº. 11.580[3], com última atualização pela Lei nº. 16.370 de 29/12/2009, estipula que:
“Art. 14. As alíquotas internas são, conforme o caso e de acordo com a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) ou a Nomenclatura Brasileira de Mercadorias - Sistema Harmonizado (NBM/SH), assim distribuídas:
(...)
III - alíquota de vinte e cinco por cento (25%) nas operações com:
a) armas e munições, suas partes e acessórios (NCM Capítulo 93);
b) balões e dirigíveis; planadores, asas voadoras e outros veículos aéreos, não
concebidos para propulsão com motor (NCM 8801.00.00);
c) embarcações de esporte e de recreio (NCM 8903);
d) energia elétrica destinada à eletrificação rural;
e) peleteria e suas obras e peleteria artificial (NCM Capítulo 43);
f) perfumes e cosméticos (NCM: 3303; 3304; 3305, exceto 3305.10.00; e
3307, exceto 3307.20);
(...)
V - alíquota de vinte e nove por cento (29%) nas prestações de serviço de comunicação e nas operações com:
a) energia elétrica, exceto a destinada à eletrificação rural;
b) fumo e sucedâneos, manufaturados (NCM 2402.10.00 a 2403.99.90);
c) bebidas alcoólicas (NCM 2203, 2204, 2205, 2206 e 2208);”3

        Dessa forma, não há dúvida que o ICMS da energia elétrica é uma receita importante ao Estado, bem como um ônus pesado ao contribuinte, o que motiva sua discussão, que nos últimos anos pautou-se na base cálculo.

        Ou seja, se a alíquota incide sob o valor correspondente a demanda de potência efetivamente utilizada ou se seria sob o valor contrato com a concessionária, o que ocorre nos casos de grandes consumidores de energia, indústrias e grandes empresas em geral. Esta é a grande questão.

        Entretanto, para podermos melhor entender o cerne da discussão é necessário entendermos como funciona o sistema brasileiro de fornecimento e algumas de suas peculiaridades, tais como tipos de contrato de fornecimento, forma de pagamento e outros. É o que observaremos a seguir – visando fornecer mais dados a fim de possibilitar o entendimento desta matéria tão discutida.

Contratos de Fornecimento de Energia Elétrica

        De acordo com a previsão contida na Resolução nº. 456 da ANEEL de 29/11/2000[4] existem basicamente dois tipos de consumidores, o Grupo “A” e o Grupo “B”, sendo que a diferença básica entre os dois está na tensão utilizada, conforme podemos verificar abaixo:

“Art. 2º. Para os fins e efeitos desta Resolução são adotadas as seguintes definições mais usuais:
(...)
XXII - Grupo “A”: grupamento composto de unidades consumidoras com fornecimento em tensão igual ou superior a 2,3 kV, ou, ainda, atendidas em tensão inferior a 2,3 kV a partir de sistema subterrâneo de distribuição e faturadas neste Grupo nos termos definidos no art. 82, caracterizado pela estruturação tarifária binômia e subdividido nos seguintes subgrupos:
a) Subgrupo A1 - tensão de fornecimento igual ou superior a 230 kV;
b) Subgrupo A2 - tensão de fornecimento de 88 kV a 138 kV;
c) Subgrupo A3 - tensão de fornecimento de 69 kV;
d) Subgrupo A3a - tensão de fornecimento de 30 kV a 44 kV;
e) Subgrupo A4 - tensão de fornecimento de 2,3 kV a 25 kV;
f) Subgrupo AS - tensão de fornecimento inferior a 2,3 kV, atendidas a partir de sistema subterrâneo de distribuição e faturadas neste Grupo em caráter opcional.
XXIII - Grupo “B”: grupamento composto de unidades consumidoras com fornecimento em tensão inferior a 2,3 kV, ou, ainda, atendidas em tensão superior a 2,3 kV e faturadas neste Grupo nos termos definidos nos arts. 79 a 81, caracterizado pela estruturação tarifária monômia e subdividido nos seguintes subgrupos:
a) Subgrupo B1 - residencial;
b) Subgrupo B1 - residencial baixa renda;
c) Subgrupo B2 - rural;
d) Subgrupo B2 - cooperativa de eletrificação rural;
e) Subgrupo B2 - serviço público de irrigação;
f) Subgrupo B3 - demais classes;
g) Subgrupo B4 - iluminação pública.”4

        Os consumidores do Grupo “B” são os consumidores cativos que não podem escolher o fornecedor de energia, sendo obrigatória a adesão à concessionária que atende sua região demográfica.

Já no Grupo “A” – os consumidores livres – basicamente formado por grandes empresas, podem celebrar contratos com qualquer uma das concessionárias de energia elétrica disponíveis, contudo, para estes últimos há obrigatoriamente de uma série de formalidades a serem cumpridas.

Observa-se a seguir que a partir dessa divisão há ainda maneiras diferenciadas de pagamento à concessionária, visto as especificidades de consumo – diferença entre previsão e consumo de fato – dos consumidores do grupo A.

Forma de Pagamento à Concessionária

        Para os consumidores do Grupo B, cativos, a cobrança é feita de forma simplificada apenas em razão da energia efetivamente consumida, chamada de tarifa monômia, nos termos da citada Resolução em seu Art. 2º, inciso XXXV:

“XXXV - Tarifa monômia: tarifa de fornecimento de energia elétrica constituída por preços aplicáveis unicamente ao consumo de energia elétrica ativa.”[5]

        Quanto aos consumidores do Grupo A, que devem cumprir uma série de especificidades, a tarifa é a binômia, pois há um valor referente a energia efetivamente consumida e a tarifa de ultrapassagem, que é aquela incidente sobre o que o consumidor exceder ao contratado com a fornecedora, tudo conforme prevê o Art. 2º, em seus incisos XXXVI e XXXVII da Resolução 456 da ANEEL, abaixo:

"XXXVI - Tarifa binômia: conjunto de tarifas de fornecimento constituído por preços aplicáveis ao consumo de energia elétrica ativa e à demanda faturável.
XXXVII - Tarifa de ultrapassagem: tarifa aplicável sobre a diferença positiva entre a demanda medida e a contratada, quando exceder os limites estabelecidos".5

        Apesar dos consumidores livres terem a obrigação de informar a demanda contrata quando da celebração do contrato com a concessionária, este valor está sujeito a ajuste tanto para mais quanto para menos, o que diminui a ocorrência do pagamento da tarifa de ultrapassagem.

        Passadas as considerações técnicas quanto ao contrato de fornecimento de energia elétrica, passaremos a analisar as particularidades do ICMS incidente nestes contratos.

Energia Elétrica é Mercadoria

        Conforme já nos traz a Carta Magna em seu Art. 155, a energia elétrica é tratada como uma mercadoria e não como serviço, senão vejamos:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(...)
§ 3° À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do 'caput' deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País."[6]

        Temos ainda o dispositivo previsto no ADCT, que também trata da energia elétrica como mercadoria, conforme podemos verificar no art. 34, §9ª:

“Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores.
(...)
§ 9º - Até que lei complementar disponha sobre a matéria, as empresas distribuidoras de energia elétrica, na condição de contribuintes ou de substitutos tributários, serão as responsáveis, por ocasião da saída do produto de seus estabelecimentos, ainda que destinado a outra unidade da Federação, pelo pagamento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias incidente sobre energia elétrica, desde a produção ou importação, até a última operação, calculado o imposto sobre o preço então praticado na operação final e assegurado seu recolhimento ao Estado ou ao Distrito Federal, conforme o local onde deva ocorrer essa operação.”[7]

        Pelos dispositivos apontados podemos ver que nosso ordenamento jurídico claramente considera o fornecimento de energia elétrica como a venda de uma mercadoria e não como uma prestação do serviço.

        Desse modo, aplicam-se todos os dispositivos pertinentes a circulação de mercadorias contidos na Lei Complementar nº. 87/96.

        Outra peculiaridade relativa a energia elétrica é que não há possibilidade de armazenamento e/ou deposito após de gerada, sendo seu consumo imediato a sua geração.

Logo, não é possível que a energia seja gerada sem que exista um consumo de fato.

        Tal fato nos faz pensar se poderá haver fato gerador do ICMS sem que exista o consumo de energia elétrica. Esta possibilidade não é possível, pois não há como ocorrer a circulação da mercadoria, energia, sem que se possa constatar o seu consumo.

        Neste mesmo sentido encontramos na doutrina embasamento no entendimento da forma de produção e consumo da energia elétrica, como podemos depreender abaixo:

"O sistema elétrico nacional faz a conexão física de todos os geradores, transmissores, distribuidores e consumidores. Funciona, como já dito, analogamente a um sistema de 'caixa único', em um mesmo momento, recebe a energia de todos os geradores e alimenta todos os consumidores. Portanto, produção e consumo se dão instantaneamente, não havendo possibilidade de estoques entre os estágios intermediários de produção, transmissão e distribuição" CAMPOS[8].

        Portanto, se a produção de energia necessita de consumo imediato não havendo como se realizar o estoque de energia, o fato gerador do ICMS coincide com a produção de energia elétrica e por conseqüência com o consumo.
       
        Tendo adentrado no ponto de vista técnico, passamos agora ao ponto mais relevante da discussão – o fato gerador do ICMS - onde duas correntes distintas defendem que este ocorre em momentos distintos.

Fato Gerador

        O ponto central da discussão neste caso é o momento de ocorrência do fato gerador do ICMS no fornecimento de energia elétrica. Sendo que existem duas grandes correntes, uma – minoritária – que entende que a disponibilidade já é por si só o fato gerador; a outra – majoritária e que fundamentou a Súmula 395 – que entende que apenas o consumo efetivo é o fato gerador.

        Os militantes da primeira corrente entendem que apesar de normalmente o fato gerador ocorrer na saída da mercadoria de um determinado estabelecimento comercial a já citada Lei Complementar nº 87/96 traz outros tantos marcos temporais que externam a hipótese de incidência tributária.

        Neste sentido, a saída da mercadoria do estabelecimento não é aplicado adequadamente quanto tratamos de fornecimento de energia elétrica, pois quando há saída da mercadoria seu destinatário é indeterminado.

        Uma vez fluindo pelas linhas de transmissão a energia será consumida por quaisquer dos consumidores que a ela tenham acesso, sem a possibilidade de individualização de quem consumiu determinada energia gerada.

        Para robustecer a argumentação levanta também a situação em que a distribuidora da energia não é mesma que a produziu sugerindo que nestes casos se tornaria quase que impossível identificar quem está consumindo a energia produzida.

        Outra questão levantada é que o sistema elétrico Brasileiro é todo interligado, portanto, toda a energia produzida em qualquer usina, ficará a disposição de todo o sistema.

        Pelos pontos acima levantados entendem que apenas na fase de distribuição que se pode verificar a hipótese de incidência tributária, que ocorre quando da entrega da energia ao consumidor.

        Esta entrega ocorre pela distribuidora no Ponto de Entrega que será no limite da via pública com o imóvel referente ao consumidor em questão.

        Sustentam que a ANEEL considera como satisfeita a prestação de fornecimento de energia quando da entrega no Ponto de Entrega, cessando neste momento sua responsabilidade e é considerada entregue a mercadoria.

        Nesta linha de raciocínio a simples colocação da energia elétrica à disposição do consumidor no ponto de entrega já seria bastante para se caracterizar o fato gerador do imposto comentado. Pois estaria sendo dada a disponibilidade jurídica da energia elétrica neste momento, uma vez que o consumidor detém poder de disposição sobre a energia que está no ponto de entrega.

        Desse modo, a potência disponibilizada ao consumidor no ponto de fornecimento seja ela utilizada ou não seria irrelevante para a incidência do ICMS, portanto, o fato de não ter sido a energia consumida total ou parcialmente não afasta a circulação da energia que de fato foi disponibilizada.

        Levanta ainda a questão que o consumidor do Grupo A não paga apenas pela energia efetivamente consumida, como também por aquela que lhe foi disponibilizada, pois foi efetivamente entregue.

        Considerando a existência de referida entrega não haveria motivo de não se entender que se faz presente o fato gerador.

        Nesse tipo de contrato o consumidor paga para garantir que a energia que consome estará disponível para sua utilização. Ao contratar determinada potência elétrica fica garantido que a concessionária irá suprir a demanda contratualmente firmada.

        Por fim, ainda sustenta que esses contratos assumem uma natureza securitária, pois devido a contratação de uma determinada potência esta deverá ser obrigatoriamente e continuamente disponibilizada no ponto de entrega, de acordo com os valores e prazos de vigência.

        Por outro lado temos a corrente majoritária que entende que não irrelevante atentar para definição de demanda contratada; que é potência ativa a ser disponibilizada pela concessionária ao consumidor, conforme valor e período de vigência fixados no contrato, que pode ou não ser utilizada no período de faturamento.

        Há concordância, portanto, entra as duas correntes que a potência contratada não é a demanda utilizada, não representando a energia gerada e muito menos que tenha circulado. Sendo pacífico que disponibilização no ponto de entrega, mesmo gerando custos, constitui fato gerador da tarifa do serviço público de energia.

        Entretanto, eis a divergência, esta corrente entende que não constitui fato gerador do ICMS, pois para este é indispensável a efetiva e comprovada geração de energia, pois caso contrário não se pode verificar qualquer circulação. Chamando tal fenômeno de realidade física, pois como acima já demonstrado, não há geração de energia sem seu efetivo consumo.

        Sustentado é que a demanda de potência de energia simplesmente contratada ou mesmo disponibilizada, mas ainda não utilizada, não está sujeita a incidência do ICMS, pois o contrato puramente não constitui fato gerador do referido tributo.

        Pelos motivos expostos essa corrente finaliza o raciocínio indicando que no sistema vigente, o faturamento mensal de energia é proporcional à quantidade de consumo, devendo cada um dos elementos que compõe a tarifa ser especificadamente discriminados na fatura.
        Entretanto para os consumidores que estão na aplicação de tarifação binomial, um dos elementos do valor unitário da tarifa é fixado levando em consideração, dentre outros, a demanda contrata de potência, salvo se esta for menor que a medida, ou seja, qual houver ultrapassagem.

Pacificação do Entendimento

        Após atravessarmos mais de uma década discutindo esta matéria nosso Superior Tribunal de Justiça em sua Primeira Seção editou a Súmula 391 em 23/09/2009, conforme abaixo:

“O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada.”

        Que reflete e consolida o que nossos tribunais já vinham decidindo, tanto na esfera Superior, quanto nos Tribunais Estaduais, como poderemos verificar abaixo.

        Já entendia o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

“Apelação em Mandado de Segurança n. 2007.035454-0, relator o Desembargador Francisco Oliveira Filho, julgado em 09.10.07.
Incide ICMS tão-somente sobre os valores referentes à energia elétrica consumida (kWh) e à demanda de potência efetivamente utilizada (kW), aferidas nos respectivos medidores, independentemente do quantitativo contratado"[9]

        No mesmo sentido podemos verificar no Tribunal de Justiça da Paraíba, conforme Mandado de Segurança n. 999.2006.000859-9/01, relator o Desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos (DJ de 11.05.2007).

        Em nosso Superior Tribunal de Justiça a jurisprudência acompanhando mesmo entendimento também é farta.

“Recurso especial nº 960.476 - SC (2007/0136295-0), relator: ministro Teori Albino Zavascki.
Tributário. ICMS. Energia elétrica. Demanda de potência. Não incidência sobre tarifa calculada com base em demanda contratada e não utilizada. Incidência sobre tarifa calculada com base na demanda de potência elétrica efetivamente utilizada.” [10]

“Recurso especial nº 222810/MG (1999/0061890-4), relator: Ministro Milton Luiz Pereira.
Tributário. ICMS. Energia elétrica. Contrato de demanda reservada de potência. Fato gerador. Incidência.”[11]

“Recurso especial nº 579.416 - ES (2003/0133910-4), relator: Ministro Teori Albino Zavascki.
Processual civil. Recurso especial. Interpretação de direito local. Impossibilidade. Súmula 280/STF. Ausência de pré-questionamento. Súmula 282/STF. Tributário. ICMS. Demanda contratada de energia elétrica. Não-incidência. Precedentes. Ilegitimidade passiva da concessionária de energia elétrica. Juros. Correção monetária”11

Conclusão

        Podemos dessa forma, extrair que o ponto central da controvérsia consiste em saber se para composição da tarifa de energia elétrica aplicável sobre o consumo ocorrido no período de faturamento, é legítima a adoção de valor correspondente à demanda simplesmente contrata, caso este seja inferior ao da demanda medida.

        Caso contrário, a fixação se daria sempre com base no valor da demanda elétrica efetivamente medida.

        Conforme todos os pontos levantados o valor da demanda simplesmente contrata pode ser legítimo para a fixação da tarifa do serviço, contudo, para a base de cálculo de ICMS, que frise-se, supõe o efetivo consumo, deverá ser levado em conta a potência efetivamente utilizada.

        Que será aquela medida no período de faturamento, segundo os critérios de medição contidos na Resolução ANEEL 456/00, independentemente que seja ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.

        Portanto, conforme nossos tribunais vêem entendendo e com a edição da Súmula nº. 391/STJ atualmente o fato gerador do ICMS da energia elétrica é o efetivo consumo de potência, independente do contrato celebrado com as concessionárias.

        Tal entendimento além de coerente com as peculiaridades do setor energético trouxe ao contribuinte uma maior flexibilidade de planejamento ao realizar a reserva de potencia, pois apesar de efetivamente dever arcar com a tarifa do serviço prestado, não mais suportará a incidência do tributo na parcela superior ao efetivamente consumido.

Bibliografia

- ALEXANDRINO, Marcelo e VICENTE, Paulo. “Manual de Direito Tributário” 8ª Ed., Rio de Janeiro, Método, 2009
- CARRAZZA, Roque Antônio, "ICMS", 12ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007;
- CANTO, Gilberto de Ulhôa, "Direito Tributário Aplicado: pareceres", Rio de Janeiro, Forense, 1992;
- CAMPOS, Clever M., "Introdução ao Direito de Energia Elétrica", São Paulo, Ícone, 2001
- MELO, José Eduardo Soares de, “ICMS – Teoria e Prática”, 11ª Ed., São Paulo, Dialética, 2009
- Sítio da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL – www.aneel.gov.br
- Sítio da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - www.alerj.rj.gov.br
- Sítio do Governo Federal – www.planalto.gov.br/ccivil/constuicao
- Sítio da Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo - www.fazenda.sp.gov.br
- Sítio da Secretaria de Estado da Fazenda do Estado do Paraná - www.fazenda.pr.gov.br
- Sítio do STJ www.stj.gov.br


[1] Sítio da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - www.alerj.rj.gov.br
[2] Sítio da Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo - www.fazenda.sp.gov.br
2 Sítio da Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo - www.fazenda.sp.gov.br
[3] Sítio da Secretaria de Estado da Fazenda do Estado do Paraná - www.fazenda.pr.gov.br
[4] Sítio da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL – www.aneel.gov.br
[5] Resolução nº. 456 da ANEEL de 29/11/2000 - Sítio da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL – www.aneel.gov.br
[6] Constituição Federal – Sítio do Governo Federal – www.planalto.gov.br
[7] Constituição Federal – Sítio do Governo Federal – www.planalto.gov.br
[8] CAMPOS, Clever M., "Introdução ao Direito de Energia Elétrica", São Paulo, Ícone, 2001, p. 68
[9] Sítio do STJ – www.stj.gov.br
[10] Sítio do STJ – www.stj.gov.br
[11] Sítio do STJ – www.stj.gov.br